A controvérsia entre LDL colesterol, doenças cardiovasculares e estatinas – parte 2

A controvérsia entre LDL colesterol, doenças cardiovasculares e estatinas – parte 2

A segunda parte deste blog post é destinada a médicos e a profissionais da área da saúde, ligados ao tratamento de pacientes com HF. Um artigo de Ravnskov U. e col. foi publicado em 2015 no site “BMJ Open” http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2015-010401 com o título “Ausência de associação ou uma associação inversa entre o LDL colesterol e a mortalidade em idosos: Uma revisão sistemática”.

Esse artigo apresentou as seguintes conclusões:

Altos níveis sanguíneos de LDL colesterol são inversamente associados à mortalidade em pessoas com mais de 60 anos de idade. Este achado não é consistente com a hipótese do colesterol (isto é, que o colesterol, particularmente o LDL colesterol, é inerentemente aterogênico). Uma vez que as pessoas idosas com altos níveis sanguíneos de LDL colesterol vivem tanto tempo quanto, ou mais tempo que as que têm baixos níveis de LDL colesterol, nossa análise fornece um motivo para questionar a validade da hipótese do colesterol. Além disso, o nosso estudo proporciona uma base racional para uma reavaliação da orientação que recomenda, nos idosos, uma redução farmacológica do LDL colesterol, como um componente das estratégias de prevenção de doenças cardiovasculares.

Uma das consequências desta publicação, foi o aparecimento de reportagens em sites de jornais, como uma notícia do site “The Telegraph Science” em 13 de junho de 2016, assinada por Henry Bodkin, com o título “Colesterol alto não causa doenças cardíacas diz nova pesquisa, logo, ‘tratar com estatinas é uma perda de tempo’”.

O site “PubMed Health” do NHS (National Health Service) dos Estados Unidos publicou em 13 de junho de 2016 a seguinte avaliação, com o título “Estudo diz que não há ligação entre colesterol e doenças cardíacas”.

Relatórios controversos dizem que não há ligação entre o ‘mau colesterol’ e as doenças cardíacas, relata o Daily Mail, enquanto que o The Times declara que: “O mau colesterol o ajuda a viver mais tempo”.

Estes títulos são baseados numa nova revisão, que teve por objetivo reunir evidência de estudos observacionais anteriores, se o LDL colesterol estava ligado à mortalidade em adultos acima dos 60 anos de idade. A visão convencional é de que ter altos níveis sanguíneos de LDL colesterol aumenta o risco de morte por doenças cardiovasculares.

Os pesquisadores escolheram 30 estudos para serem analisados. Destes estudos, 28 observaram a ligação com morte por todas as causas. Doze deles verificaram que baixos níveis de LDLs (lipoproteínas de baixa densidade) estavam ligados a um maior risco de morte – o oposto do esperado. Apenas nove estudos observaram especificamente a mortalidade cardiovascular − sete estudos verificaram ausência de ligação e dois estudos acharam uma ligação oposta à esperada.

Todavia, esta revisão tem muitas limitações. Elas incluem a possibilidade de que os métodos da busca podem não ter detectado estudos relevantes, não ter olhado para os níveis de outros lipídeos sanguíneos (por exemplo, colesterol total e HDL colesterol), e de que outros fatores de saúde e de estilo de vida possam influenciar esta relação.

Ainda mais importante, como reconhecem os pesquisadores, estes achados não levam em consideração o uso de estatinas, que abaixa os níveis de colesterol. As pessoas com altos níveis sanguíneos de LDL colesterol no início do estudo podem, subsequentemente, ter tomado estatinas, o que pode ter evitado mortes.

De onde veio este estudo?

Como já vimos no início deste post, ele foi realizado por pesquisadores da University of South Florida, do Instituto de Farmacovigilância do Japão e de diversas outras instituições do Japão, Suécia, Reino Unido, Irlanda, Estados Unidos e Itália.

Este estudo foi financiado pelo Western Vascular Institute, e, como já mencionamos, foi publicado no BMJ Open, como uma revisão de pares.

Quatro desses autores já escreveram anteriormente livros criticando a “hipótese do colesterol”. Deve-se notar que 9 destes autores são membros da THINCS – The International Network of Cholesterol Skeptics (A Rede Internacional dos Céticos do Colesterol). Eles são descritos como um grupo de cientistas que se opõem ao fato da gordura animal e dos altos níveis de colesterol desempenharem um papel nas doenças cardíacas.

Poder-se-ia dizer que estes autores apresentam uma visão preconcebida em relação ao papel do colesterol, ao invés de uma visão aberta e imparcial, que seria de se esperar do verdadeiro espírito inquisidor científico. Isto dito, muitas importantes descobertas científicas aconteceram devido aos esforços de indivíduos que desafiaram uma maneira ortodoxa e prevalente de pensar.

Em geral, no Reino Unido, a mídia noticiou relatórios equilibrados, apresentando ambos os lados da discussão – o que apoiava os achados e as visões críticas de outros especialistas.

Como foi o estudo?

Os pesquisadores realizaram uma busca na base de dados da literatura (Pub Med) em dezembro de 2015, para identificar estudos em língua inglesa que incluíram amostras da população geral com 60 anos de idade ou mais. Os estudos precisavam ter medido os níveis basais do LDL colesterol, e os participantes foram seguidos no decorrer do tempo, buscando-se uma ligação com mortalidade por todas as causas, ou com mortalidade cardiovascular.

Os autores revisaram os estudos potenciais e extraíram dados. De um resultado inicial de 2.894 achados (hits), 19 publicações, que cobriram 30 coortes, incluíram 68.094 participantes. A maioria dos estudos foi imediatamente excluída, por parecer não conter qualquer coisa relevante no estudo, no título, ou no resumo. Os outros motivos de exclusão foram língua não inglesa, os participantes não representarem a população geral, a ausência da medida dos níveis basais de LDL colesterol e não mostrar dados separados para adultos mais velhos, ou verificar a mortalidade.

Quais foram os principais resultados?

Os pesquisadores não reuniram os resultados dos coortes individuais numa meta-análise, mas resumiram os achados.

No geral, eles relataram que 16 coortes (que representaram 92% dos indivíduos revisados) de um total de 28, examinaram a mortalidade por todas as causas, e encontraram uma relação inversa entre os níveis sanguíneos de LDL colesterol e a mortalidade por todas as causas. Em 14 desses 16 coortes, esta ligação foi estatisticamente significativa. Nos demais 12 coortes, não houve ligação com a mortalidade por todas as causas.

Apenas 9 coortes relataram especificamente mortalidade cardiovascular. Sete deles não observaram ligação entre o LDL colesterol e a mortalidade cardiovascular. Os outros dois encontraram que os que estavam no quartil mais baixo dos níveis sanguíneos do LDL colesterol tiveram a maior mortalidade cardiovascular.

Como os investigadores interpretaram esses resultados?

Como já vimos anteriormente neste post, os pesquisadores concluíram que “Altos níveis sanguíneos do LDL colesterol foram inversamente associados à mortalidade na maioria das pessoas com mais de 60 anos de idade”, e que este fato “proporciona uma base racional para uma reavaliação da orientação que recomenda, nos idosos, uma redução farmacológica do LDL colesterol”.

Conclusão

 Esta pesquisa sugere que – ao contrário da crença comum – o LDL colesterol não é tão “mau” como se pode pensar, e que altos níveis sanguíneos não estão ligados à mortalidade cardiovascular, ou à mortalidade por todas as causas.

Todavia, antes de aceitar isto como um fato, há muitas importantes limitações a serem consideradas – tanto em relação à revisão, como em relação aos estudos nela incluídos – muitas das quais os próprios autores reconhecem.

Há a possibilidade que muitos estudos relevantes a esta questão possam ter sido ignorados. A revisão buscou apenas uma única base de dados da literatura, excluiu os estudos apenas disponíveis em língua não inglesa e também excluiu estudos cujos títulos e resumos pareciam não conter informação sobre a ligação existente entre as LDLs e a mortalidade em adultos mais idosos.

O estudo observou apenas essa ligação em adultos com 60 ou mais anos de idade. Os níveis sanguíneos de LDL colesterol podem mostrar ligações diferentes com a mortalidade no longo prazo em adultos mais jovens. Embora a intenção fosse representar a população geral mais idosa, alguns estudos excluíram as pessoas com problemas específicos como demência, diabetes ou doenças terminais.

Os estudos variaram amplamente em relação ao ajuste para potenciais fatores causadores de confusão, que poderiam ter influenciado a ligação entre as LDLs e a mortalidade. Idade, gênero e índice de massa corpórea foram fatores comuns que os estudos levaram em conta, mas, também ocorreram outras variáveis, responsáveis por estilo de vida (fumar, ingestão de álcool), fatores socioeconômicos, presença de doenças e o uso de medicamentos.

Apenas o LDL colesterol foi examinado. Os níveis sanguíneos do colesterol total, dos triglicerídeos e a relação LDL/HDL colesterol pode ter tido um efeito e mediado a relação existente entre o LDL colesterol e a mortalidade.

A maior parte das evidências desta revisão é em relação à ligação com a mortalidade por todas as causas – não a mortalidade cardiovascular. Acredita-se que altos níveis sanguíneos de HDL colesterol estão relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose e das doenças cardiovasculares. Esta revisão não fornece evidência suficiente e firme que refute esta ligação. Esta revisão não pode explicar com certeza as razões para a ligação aparente que existe entre os níveis sanguíneos do LDL colesterol e a morte por quaisquer causas – e, aproximadamente, metade dos estudos verificou a existência de uma ligação e a outra metade não.

É importante o fato deste estudo não fornecer evidência de que as estatinas sejam "uma perda de tempo”. Estes estudos não examinaram a mortalidade entre as pessoas que tomavam ou não estatinas. Os pesquisadores abertamente reconhecem que o uso das estatinas – que eles não examinaram diretamente – pode estar confundindo as relações existentes nestes estudos. Por exemplo, as pessoas com altos níveis de HDL colesterol no início do estudo podem ter tomado estatinas, e isto pode ter diminuído drasticamente o seu já reduzido risco de morte.

Os achados desta revisão e as possíveis explicações precisarão ser melhor explorados, mas, no momento, esta revisão não fornece sólida evidência que altos níveis sanguíneos de LDL colesterol sejam bons para alguém, ou que as estatinas não ajudem. As pessoas para quem as estatinas foram prescritas devem continuar a toma-las, conforme a prescrição.

“As gorduras realmente são boas para você” pode ser uma boa manchete para um jornal, e sempre há pesquisadores dispostos a apoiar essa ideia, como vimos no relatório recente do National Obesity Forum.

Frequentemente, estes tipos de histórias são baseados numa visão seletiva da evidência, ao invés de numa revisão compreensiva e sistemática. Atualmente, não há um corpo de evidências que contradiga a orientação oficial sobre o consumo de gordura saturada – não mais que 30 g de gordura saturada por dia para os homens e não mais que 20 g para as mulheres.

Observações finais

Finalmente, observamos que nada do que foi mencionado neste post se refere a pessoas com hipercolesterolemia familiar (HF). Assim sendo, as estatinas continuam sendo uma medicação muito importante para as pessoas com HF homozigótica ou heterozigótica, de maneira isolada ou junto com outros medicamentos já amplamente discutidos neste blog em outros posts.

Portanto, as pessoas com HF devem ignorar o tema causador desta controvérsia, que, no momento, nada tem a ver com esta doença, e seguir tomando os medicamentos prescritos por seus médicos, pois, eles salvam vidas!

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Se você tiver colesterol LDL acima de 210 mg/dl e membros em sua família com infarto em idade inferior a 45 anos, entre em contato com o InCor pelo e-mail hipercolbrasil@incor.usp.br enviando como anexo uma cópia ou foto do seu exame de colesterol junto com um número de contato telefônico. A Equipe do Hipercol Brasil entrará em contato com você!

Continue visitando o nosso site para aprender mais sobre a HF. Leve esta notícia ao seu médico. Espalhe que a HF é tratável, quanto mais cedo diagnosticado melhores são os resultados. A HF é familiar, passa de geração em geração, portanto todos precisam ser diagnosticados.

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