A judicialização da saúde e a hipercolesterolemia familiar

A judicialização da saúde e a hipercolesterolemia familiar

No mês passado, o site GGN publicou um artigo intitulado “Pesquisadores procuram soluções para a judicialização da saúde”, assinado por Bruno de Pierro.

Segundo esse artigo, ano a ano, tem aumentado o número de decisões judiciais que determinam o fornecimento de medicamentos por governos estaduais, municipais e pelo governo federal. Em 2015, o governo do Estado de São Paulo desembolsou R$ 1,2 bilhão para 57 mil pacientes, que conseguiram determinações judiciais.

Para lidar com a questão da judicialização da saúde, pesquisadores tem se debruçado sobre o tema para propor soluções.  A Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo tem trabalhado para criar sistemas de informação que possam subsidiar as decisões de gestores e juízes, para favorecer a incorporação no sistema público dos remédios mais solicitados.

Antes de seguir adiante com este tema, quero informar os leitores que eu morei 2 anos na Inglaterra, trabalhando para uma empresa multinacional, e verifiquei que o sistema britânico de saúde fornece gratuitamente medicamentos para “todos” abaixo de 18 anos e acima de 65 anos, sem exceções. Por outro lado, também verifiquei que os cidadãos ingleses, no total, pagam menos impostos que os brasileiros. Cada um que tire as suas próprias conclusões.

Prosseguindo, no Brasil, parcerias entre instituições de pesquisa e a esfera pública procuram entender a judicialização da saúde e propor estratégias para lidar com este fenômeno. No quinto andar do prédio da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, na capital paulista, a advogada Renata Santos e uma equipe de 35 pessoas lidam diariamente com os benefícios e os percalços decorrentes de um dos grandes desafios da gestão pública atual: o fornecimento de medicamentos imposto por decisões judiciais.

Nos últimos cinco anos, a quantidade de processos movidos por pacientes para obrigar o Estado a fornecer fármacos e tratamentos que ainda não são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou que ainda não foram registrados no país, aumentou 92%.  “Esse valor é quase o necessário para sustentar por um ano o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP, onde eu me formei), onde são atendidos 35 mil pacientes por dia”, segundo Renata.

O fenômeno conhecido como judicialização da saúde é multifacetado. Por um lado, as ações judiciais comprometem uma parcela significativa do orçamento para atender demandas específicas de alguns pacientes; por outro, podem significar o único caminho para salvar ou prolongar a vida de pacientes, especialmente de pessoas com doenças raras ou crônicas, como diabetes e câncer, que dependem de medicamentos de alto custo. As parcerias entre as equipes da secretaria e das instituições de pesquisa apoiam-se em um programa de computador chamado S-Codes, criado em 2010 pela Coordenação das Demandas Estratégicas do SUS (Codes), pertencente à secretaria paulista, e que gerencia os processos judiciais movidos contra o Estado de São Paulo.

O contabilista Carlos Alberto Grespan Bonacim, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP em Ribeirão Preto, examinou o perfil socioeconômico de pacientes com base em uma amostra de aproximadamente 900 ações judiciais registradas de 2013 a junho de 2015, sobre a liberação de cerca de 8 mil medicamentos em 27 municípios da região de Ribeirão Preto. A cidade é uma das três com maior índice de ações judiciais em saúde no estado – as outras são Barretos e São José do Rio Preto.

Com base no S-Codes, Bonacim verificou que 66% dos medicamentos obtidos por via judicial não constavam na lista do SUS. Os 34% restantes já eram fornecidos pela rede pública, mas os pacientes solicitaram versões produzidas por outras empresas ou que continham algum incremento tecnológico.

Também o antropólogo brasileiro João Biehl, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, em um estudo publicado no ano passado no Health and Human Rights Journal, constatou que, de um total de 3.468 medicamentos solicitados por ações judiciais contra o Estado do Rio Grande do Sul em 2008, mais da metade (56%) era fornecida pelo SUS.

Nos últimos sete anos, o Ministério da Saúde (MS) desembolsou R$ 4,5 bilhões na compra de medicamentos, equipamentos, suplementos alimentares e na cobertura de cirurgias e internações a partir de determinações judiciais. A maior parte das ações federais é oriunda de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Incluindo os gastos municipais e estaduais, o governo federal calcula que a despesa com a compra de medicamentos por decisão judicial tenha chegado a R$ 7 bilhões no ano passado. Parte significativa desse valor foi utilizada para bancar medicamentos de alto custo. Em 2016, o MS gastou R$ 654,9 milhões na compra de apenas 10 medicamentos para atender 1.213 pessoas. Em São Paulo, 4% dos fármacos consomem mais de 90% dos gastos com ações judiciais no estado.

Da lista dos medicamentos mais caros comprados pelo governo federal, seis não estão registrados na Anvisa. Um deles é a lomitapida (nome genérico), aprovado nos Estados Unidos para uso por portadores de uma doença genética rara, a hipercolesterolemia familiar homozigótica. O tratamento com esse medicamento custa cerca de mil dólares americanos por dia. Este medicamento foi aprovado pela FDA dos Estados Unidos em 21 de dezembro de 2012. Por que ainda não foi aprovado pela Anvisa?

“Em geral os juízes não têm embasamento tecnocientífico sobre todos os aspectos que são inerentes a um medicamento, como sua regulamentação, e também a estrutura do SUS, que disponibiliza os fármacos dentro de critérios estabelecidos com base científica”, diz Maria Aparecida Nicoletti, pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. A farmacêutica integra um projeto do PPSUS para adaptar o método espanhol Dáder, de acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes, na Farmácia Universitária da USP (Farmusp), com vistas a ser aplicado em Unidades Básicas de Saúde paulistas e gerar informações para subsidiar as decisões judiciais.

“Estamos lidando com pacientes que não apenas sofrem de câncer, mas que podem também ter depressão, hipercolesterolemia familiar, hipertensão arterial e problemas cardiovasculares, que estão tomando medicamentos para essas doenças”, explica Maria Aparecida.

Na Universidade de Sorocaba (Uniso), um grupo de pesquisa trabalha dentro do PPSUS com o acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes e no desenvolvimento de um sistema informatizado semelhante ao da secretaria estadual. A diferença é que o JudSys, como foi batizado o programa, volta-se a demandas dos municípios e conta com um módulo clínico que permite organizar dados técnicos sobre o uso de medicamentos levantados em consultas farmacêuticas. “Fizemos testes-piloto em municípios da região de Sorocaba, como Votorantim e São Roque, para avaliar a viabilidade e funcionalidade do JudSys e agora estamos fazendo ajustes para oferecer a outros municípios interessados”, explica o farmacêutico Silvio Barberato Filho, professor da Uniso e coordenador do projeto.

Em São Paulo, uma iniciativa anunciada em dezembro de 2016 também procura promover a interação entre os atores envolvidos nas solicitações judiciais de medicamentos. A Secretaria da Saúde, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública estaduais celebraram um termo de cooperação que estabelece um protocolo de fluxos de serviços de triagem e orientação farmacêutica a usuários do SUS.

Também no final do ano passado, o CNJ e o Ministério da Saúde, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, anunciaram um projeto para ampliar o uso de informações baseadas em evidências científicas pelos magistrados e aperfeiçoar o julgamento das demandas judiciais.

Renata Santos levanta no S-Codes outros dados pouco conhecidos sobre as consequências da compra de medicamentos por via judicial. “20% a 30% dos pacientes que entram com ação em São Paulo não aparecem para retirar o medicamento liberado pela Justiça”, afirma. “Tirando casos de pacientes que falecem, os principais motivos de não buscarem o medicamento é que a pessoa muda de ideia, desiste do tratamento e opta por outro.” Quando possível, a secretaria direciona o fármaco para outro paciente, embora mais da metade dos pedidos sejam de uso exclusivo, isto é, cada fármaco é consumido apenas por uma pessoa. “Quando o paciente não vem buscar”, ela conta, “estocamos o medicamento e, quando passa da validade, temos de incinerar”.

Projetos

  1. Gestão municipal de demandas judiciais na saúde: modelo de acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes (nº 2014/06038-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Silvio Barberato Filho (Uniso); Investimento R$ 103.297,39.
  1. Fatores condicionantes dos processos de judicialização na divisão regional de saúde – DRS XII (nº 2014/50040-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – PPSUS; Pesquisador responsável Carlos Alberto Grespan Bonacim (Fearp-USP); Investimento R$ 7.325,37.
  1. Seguimento farmacoterapêutico de pacientes na farmácia universitária da USP (nº 2012/51707-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – PPSUS; Pesquisador responsável Silvia Storpirtis (FCF-USP); Investimento R$ 253.692,76.

Resumindo, este é um assunto muito sério, que envolve um gasto total anual altíssimo e que está sendo conduzido e decidido de maneira pontual, aleatória e ineficaz. Certamente, os valores envolvidos justificam uma ação do Ministério da Saúde, para, em conjunto com o Ministério da Justiça, elaborar procedimentos a serem seguidos nestes casos, que deverão ser transformados em lei, aprovados pelo Congresso Nacional e sancionados pelo Presidente da República.

Não vamos nos esquecer que o Estado não paga estes medicamentos. Quem paga por eles são os cidadãos brasileiros, através do recolhimento de impostos!

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